Havia um tempo em que homens e mulheres, jovens e idosos (os pensadores), de todas as cores, raças e credos, saíram para uma batalha, para a qual tinham uma chance mínima de vencer. Eram uma batalha pelo seu país. Mas, foram, bravos e fortes. Alguns até diziam que cantavam, tal qual I-Juca Pirama, já prevendo a morte certa. Mas, foram, "caminhando e cantando", com a certeza de que "quem sabe, faz a hora, não espera acontecer". E foram ...
Foram, desarmados, para uma batalha cujo objetivo era resgatar os perdidos que, cegos, já não distinguiam os inimigos. Vários dos perdidos já haviam entregue, aos inimigos, seus sonhos, seus desejos, sua luta. Esses, já não sabiam se queriam ou não ser resgatados. Estavam entregues. Como entregues estavam vários dos que foram à luta, pois cansados, feridos, humilhados, já não queriam a batalha. E, estavam mais cegos do que os demais.
Os inimigos eram fortes, organizados, cruéis. Não temiam quem quer que fosse e dominavam os incautos. Dominavam os letrados, os pensadores, os criadores. Não proibiam, mas não queriam mais os letrados e os criadores. E, não queriam mais nada que fosse gerado pelos letrados e pelos criadores. Mas, não proibiam. Sua tática era cruel, pois acabavam com os pensadores, um a um, desorganizando-os, cegando-os. E, com medo, os pensadores se entregavam, cegos, um após outro.
E todos os que antes confiavam nos pensadores, deixaram de o fazer. Pra quê, se não poderiam mais criar? Pra quê, se é mais fácil comprar de quem faz?
E o pobre país ficou mais pobre ainda, sem criar, sem gerar. Seu povo era escravo dos inimigos. Escravos mentais, pois não tinham consciência de que foram escravizados. Cegos. E os inimigos ficavam cada vez mais ricos. Os inimigos dominavam. Os inimigos diziam que só eles poderiam ensinar seus escravos a pensar, a ler e a criar. E todos foram enganados, pois cada vez menos o povo sabia; a cada ano, o povo menos sabia. Já não sabia ler. E não sabia criar. Mas, acreditavam que o inimigo era bom; que o inimigo a tudo proveria. E trabalhavam pelo inimigo, sem saber que seus filhos se tornariam mais escravizados. E que seus netos se tornariam dementes, lendo o que não saberiam ler, escrevendo o que não saberiam escrever, contando o que não saberiam contar.
Seria um regime orwelliano (tal qual 1984, de George Orwell), no qual todos viveriam em uma sociedade como a de Teteriev (Pequenos Burgueses, de Máximo Górki) e com medo, como Josef K (O Processo, de Franz Kafka).
Porém, diziam: "somos soldados, pedindo esmola, e a gente não queria lutar" (Soldados, Legião Urbana).
E, os pensadores retornaram, exaustos, após anos de batalha desumana. E foram recebidos, em sua própria terra, como desqualificados, humilhados. Ao retornar a sua terra, perceberam que os inimigos a haviam dominado. E seu povo já não entendia o que lia e tampouco compreendia o que escrevia. Estavam cegos.
De soldados, preparados, valentes, que enfrentaram o inimigo, passaram a ser vistos como inválidos. E seus aprendizes já não os queriam. E seus aprendizes estavam cegos, sem conseguir perceber que seu futuro seria nebuloso. E, eles também seriam desqualificados, humilhados, inválidos.
Porém, "a pena é mais poderosa do que a espada" (Voltaire). E os pensadores descansariam dos anos de batalha para retornar pela pena.